A partir dos anos 1990, as questões relativas à sustentabilidade socioambiental passaram a ser consideradas como de grande importância para o planeta, fazendo com que a reflexão sobre o tema fosse disseminada por meio de diferentes âmbitos do conhecimento, com interesses e enfoques distintos. A abordagem atual sobre a tríade produção, consumo e meio ambiente, se intensifica de maneira significativa quando passamos a considerar a relação entre a evolução tecnológica (em rápida disseminação), as matérias-primas (de livre circulação) e o fenômeno da globalização (entenda-se o aumento produtivo e mercadológico em diferentes partes do planeta).
De acordo com Manzini: ”a capacidade do homem para manipular materiais e informações nunca foi tão profunda e vasta como na atualidade, mas o resultado, como um todo, é a produção de um ambiente artificial, cada vez mais parecido com uma ´segunda natureza´, no qual as leis ainda não nos parecem claras, mas misteriosas. Tudo isso, nos induz a uma revisão sobre o mundo artificial ao inserir na cultura do projeto e na cultura industrial alguns fundamentos para reflexão” (MANZINI, E. Artefatti: verso una ecologia dell’ambiente artificiale. Milano: Ed. Domus, 1990).
Nesse sentido, uma tentativa de aproximação seria inserir o debate sobre a sustentabilidade socioambiental de forma mais proativa para os consumidores, reconhecendo estes como partícipes incontestes dos resultados que hoje se conhecem no que tange ao impacto ambiental. Muito se tem feito nos dias atuais para sensibilizar os consumidores a rejeitarem os produtos provenientes de produções poluentes. De igual forma, grandes esforços foram despendidos em busca da disseminação de um consumo eficaz e consciente. Por último, muito está sendo feito em busca da prevenção e controle dos descartes, após o uso, dos bens semiduráveis e de consumo diário doméstico.
Porém, deve ser reconhecido, que o atual estágio em que se encontra a indústria mundial – entenda-se a rápida disseminação produtiva e o aumento significativo do número de consumidores – exige o empreendimento de outras ações em busca da preservação sustentável do meio ambiente. Devem ser implementadas ações, à luz do aumento do consumo por parte da população dos Newly Industrialized Countries – NICs, e, em particular, dos países que compõem o leste do planeta (como os asiáticos China, Coréia e Singapura) e o sul (como os latinos Brasil, Argentina e México) que se tornaram novos produtores industriais. Não se pode desprezar, no entanto, que a larga produção industrial, dentro do projeto de modernidade então vivido, tenha se tornado um dos maiores problemas para a sustentabilidade ambiental do século XXI, pois o processo de modernização no século XX tornou-se sinônimo de industrialização. Medidas cabíveis não foram previamente introduzidas no projeto moderno do século XX no sentido de contornar as consequências que este desenvolvimento traz intrínseco a si mesmo.
No que se refere aos requisitos ambientais inerentes ao modelo produtivo industrial, alguns aspectos devem ser considerados como parte do conteúdo analítico dessa realidade. Parece consenso, na atualidade, dentro das diversas disciplinas que compõem as ciências humanas, tecnológicas e sociais aplicadas, a preocupação com a questão ambiental e possível contribuição de cada ator social que as constituem. Temos hoje, portanto, oportunos estudos sobre a sustentabilidade ambiental, provenientes de diferentes fontes e ciências diversas, como nos atesta o semiólogo Massimo Bonfantini ao dizer: “pode-se, todavia, insistir que hoje o nosso ambiente é composto essencialmente por território, colonizado e transformado no bem e no mal pelos homens, pelas suas atividades, pelas suas mercadorias e mercados, pelas suas indústrias e maquinários, pelos seus descartes que, de certa forma, são mais ou menos poluentes, desejada ou involuntariamente, mas fruto da colonização humana. Enfim, o mundo inteiro é feito de artefatos” (BONFATINI, A. Breve corso di semiotica. Milano: Edizioni Scientifiche Italiane, 2000).
Porém, se, ao longo dos tempos, o mundo contemporâneo foi caracterizado por artefatos e produtos industriais, que de certa forma o completaram, deve-se reconhecer que o destino final dos descartes e dos desmontes, fruto da evolução produtiva industrial, não foi igualmente considerado. O resultado do processo de modernização mundial, ao lado das benesses proporcionadas, gerou grandes problemas para a humanidade do século XXI. Como o legado moderno permanece, por meio da evolução tecnológica e pela rápida disseminação produtiva por diferentes partes do planeta, medidas urgem como necessárias em busca da manutenção, em patamar aceitável, do progresso mundial por meio do binômio desenvolvimento industrial e impacto ambiental.
Mas o projeto moderno, de previsível controle sobre o destino da humanidade, em busca de uma vida melhor, parece não ter conseguido cumprir sua missão a contento. O sonho de um “mundo moderno”, seguindo uma lógica clara e objetiva preestabelecida de que todas as pessoas (ou grande parte delas) teriam acesso a uma vida mais digna e feliz por meio da indústria e da tecnologia, deixa, hoje, transparecer as suas imperfeições. Uma das deficiências é não ter previsto a “qualidade” dos efeitos e consequências da produção em larga escala industrial para o meio ambiente circundante. Observa-se que, nos dias atuais, devido à rápida disseminação produtiva pelo planeta, o problema ambiental e o descontrole da natureza deixaram de ter ênfase local, alcançando diferentes localizações, independentemente de suas posições geográficas e territoriais.
Essa nova realidade, portanto, colocou em cheque a lógica objetiva e linear moderna, expondo que os consumidores não foram chamados como partícipes do destino do mundo industrial, mesmo sendo os usuários dos objetos descartáveis e dos bens não duráveis. Tudo isso acontece porque, no projeto moderno de grande controle e ordenação previsível, não foi considerada a educação ambiental e, tampouco, a conscientização ecológica de forma sistemática e coletiva como uma lógica da “qualidade” do consumo e do modelo de vida. Portanto, é mister reconhecer que os cidadãos modernos não foram educados e preparados para viverem em cenário diferente daquele que o progresso acelerado prefigurou. No cenário do século XX, prevalecia a abundância de recursos não renováveis e o consumo descontrolado sempre incentivado pela máquina propagandista, também este fruto do projeto moderno do século passado. O debate sobre a escassez de recursos naturais, a prevenção e previsão de impacto ambiental, o controle do consumo de bens não renováveis e o descarte consciente não fizeram parte, de forma decisiva e determinante, dos conteúdos que construíram a solidez moderna, entre estes o conceito alargado de “qualidade”.
De fato, o desenvolvimento de produtos limpos pode requerer tecnologias limpas e, certamente requer uma nova capacidade produtiva, mas na verdade é possível chegar a produtos limpos mesmo sem muitas sofisticações tecnológicas. Interessante notar que no decorrer dos tempos, a questão ambiental foi se alargando e deixando também de considerar apenas os fatores técnicos objetivos da produção, passando à arena mais complexa de propor um novo comportamento humano e um novo estilo de vida para os cidadãos. Historicamente, em uma primeira fase relativa às questões ambientais, a postura foi a prática da busca do “remédio para o dano”, passando a seguir para uma fase mais preventiva de busca pelo controle da poluição causada pelo processo desenvolvimentista moderno antes de chegar a uma fase de desenvolvimento de produtos de baixo impacto ambiental. Até alcançarmos a fase mais recente e madura da busca por novos cenários e novos modelos de consumo sustentáveis.
No que tange o âmbito projetual, esse conceito de modelo sustentável se desdobra, portanto, por meio da inserção do hábito de prever, de forma sistêmica e antecipada, ainda durante as etapas de geração das alternativas projetuais, coordenadas e linhas guias que promoveriam uma relação desejável entre projeto, produção, e o fim de vida do produto, prevendo por consequência sua reutilização e reciclagem, ou seja: projetar o ciclo de vida inteiro do produto (Life Cycle Design – LCD) como parte da economia circular. Com a expressão Life Cycle Design entende-se, de fato, uma maneira de conceber o desenvolvimento de novos produtos e serviços tendo como objetivo que, durante todas as suas fases de projeto, sejam consideradas as possíveis implicações ambientais ligadas às fases do próprio ciclo de vida do produto (pré-produção, produção, distribuição, uso e descarte) buscando, assim, minimizar todos os efeitos negativos possíveis.
A partir dos anos 1960, quando surgiram as primeiras manifestações contrárias à contaminação do meio ambiente, até os anos 1990, quando o debate se afirmou de forma mais madura e consistente (com métodos e instrumentos mais precisos de avaliação) sobre o desenvolvimento e o consumo sustentável, o design se inseriu no desafio desse tema justamente por seu papel de protagonista dentro da trilogia: sociedade, produção e consumo. Recorda-se que o conceito de consumo sustentável requer alterações do modelo de vida e de bem-estar até então em prática, para que se possa regenerar o próprio tecido social, principalmente nos países mais ricos e industrializados do planeta, cujo crescimento do impacto ambiental é diretamente proporcional ao aumento do consumo de produtos e energia por parte dos consumidores e produtores.
A busca pela sustentabilidade, portanto, requer um processo de reposicionamento dos modos de vida da sociedade e isso implica em um processo de reaprendizado coletivo que é, por natureza, bastante complexo. A necessidade de alteração deste modelo de consumo e do estilo de vida abriu uma nova dimensão para disciplinas como o design e norteou, por consequência, grande reflexões dentro da cultura do projeto que passou a inserir no processo de concepção de novos produtos, importantes variáveis como: utilização de materiais e processos de baixo impacto ambiental; consideração do inteiro ciclo de vida do produto e por fim a possibilidade de considerar como “produto de qualidade” aquele capaz de promover o bem estar social com menor impacto ambiental em prol das futuras gerações.
Quem sabe a realidade atual de pandemia mundial, com todas as suas consequências correlatas, seja uma oportunidade para a efetiva aplicação destes conceitos? DIJON DE MORAES
É designer, escritor, conferencista e professor. PhD em Design pelo Politecnico di Milano, com pós-doutoramento no mesmo instituto. Pelo conjunto de sua obra prática e teórica obteve reconhecimento no Brasil e exterior. É autor dos premiados livros: “Limites do Design”; “Análise do design brasileiro” e “Metaprojeto: o design do design”. Ocupou por duas vezes o cargo de Reitor da UEMG; Consultor em Design, Inovação e Sustentabilidade socioambiental. Visiting Professor e Visiting Lecturer junto ao Politecnico di Milano, Politecnico di Torino e Università Degli Studi di Campania em Nápoles; Membro do Colégio de Doutores em Design da Università di Bologna. Membro do Conselho Consultivo da UBQ. Tem trabalhos publicados em português, espanhol, italiano e inglês. (foto: Luiz Gustavo Rocha)
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